Porco do mato

queixada

A Funai não mandava carne para a frente de atração dos índios gigantes, os Kranhacãrore, mas munição para as carabinas dos 30 índios da expedição não faltava. Na verdade era muito melhor receber bala do que carne sêca da pior qualidade. Dois índios, sempre os mais velhos ou os que estavam se recuperando de alguma malária, tinham como missão diária matar algum bicho para completar o rancho do homens da expedição de contato.

Andar com os índios caçadores era uma aula de leitura de mato. Muito diferente de bater perna numa picada a trôco de chegar em algum lugar. Caçar é uma arte. Os grandes caçadores e pescadores são chamados de “marupiara”  na língua geral, que quer dizer bons caçadores, com sorte, feliz na caça e na pesca.

O índio Kaiabí caminha lentamente, para, arranca uma folha e cheira, mais dois ou tres passos, se agacha e fica imóvel, o  olhar não tem direção. Ele esta ouvindo um bando de porcos queixada. “Pedrão, vem porco aqui”, e aponta a direção. Firmei o ouvido no rumo e não consegui ouvir nada. Procuramos  um pau para subir, depois mudamos de lugar. O índio se posicionava sempre de frente para o rumo do som de quebração produzido pelos porcos. Fui ouvir o mato estalando vinte minutos depois que ele ouviu o primeiro sinal.  Mudamos mais duas vezes de lugar na reta final quando o som de pau quebrado só engrossava na nossa direção. Eu estava em cima de um tronco caído, a meio metro do chão atrás de uma árvore quando o primeiro bicho grande passou por mim. O índio Kaiabi mudou de lugar uma vez mais e ficou encoberto. Ouvi uma meia dúzia de tiros e muitos porcos enfurecidos passando por todos os lados.  Fiquei de boca aberta, não fiz nenhuma foto.

No acampamento o porco foi tratado picado e cozido como todas as outras caças, com água, sal e um dedo de óleo de milho.

No final da tarde os índios voltaram ao lugar da caçada, seguiram um rastro de sangue e encontraram mais um porco.

O índio Kaiapó Bedjai, sobrinho de Raoni, lembrava que na aldeia dele a caçada  é feita por muitos índios que fazem uma roda para esperar os porcos que são mortos a bordunadas. Só os corajosos caçam porcos queixada.

A foto impressa eu não tenho mas o contra-luz do meio da manhã com o sol entrando filtrado nas árvores deixando a cena levemente azulada é inesquecível.

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